Ser sincero consigo mesmo parece cada vez mais uma tarefa para pessoas realmente corajosas. A importância de se fazer um inventário pessoal e analisá-lo verdadeira e profundamente é tão fundamental para uma vida saudável quanto o ar ou a água.
No programa dos Alcoólatras ou Narcóticos Anônimos existem 12 Passos a serem seguidos e alguns deles são:
1º. Admitimos que éramos impotentes perante a nossa doença, que nossas vidas tinham se tornado incontroláveis. 4º. Fizemos um profundo e destemido inventário moral de nós mesmos. 5º. Admitimos a Deus, a nós mesmos e a outro ser humano a natureza exata das nossas falhas.
Quanta humildade e honestidade consigo mesmo é precisa para colocar novamente a vida no eixo de alguém que perdeu o controle. E esse controle não é só para os compulsivos. A falta de honestidade consigo mesmo destrói famílias, amores, amizades e sonhos.
Mas claro que sabemos que essa não é uma tarefa fácil. Envolve o consciente e o inconsciente, envolve dor, mágoa, medo e passado. Quem afinal quer admitir que briga com o irmão até hoje por todo o mal que ele o fez na infância e que aquilo ainda não foi superado. Ou que mulher quer admitir a si ou ao marido que jamais o perdoara de verdade pela traição que cometeu, mas mesmo assim quer viver ao seu lado e fazer da vida a dois um inferno para sempre.
Mas essa omissão da verdade pode levar a anos de terapia para os mais espertos, ou pode levar a destruição interior de quem não consegue nem ser honesto consigo mesmo e nem pedir ajuda para outros.
A memória que não lembramos
Carregamos em nossa memória, em nosso coração e em nosso subconsciente cicatrizes e situações mal resolvidas da nossa história. No dia a dia, porém, não nos damos conta disso de maneira consciente. Achamos que estamos bravos porque nosso irmão falou algo para nos magoar, ou porque nossos parceiros deixaram a toalha em cima da cama.
Embora a toalha em cima da cama seja realmente desnecessária e a longo prazo possa gerar um estresse desproporcional a causa, ainda assim se esse pequeno gesto nos incomodar muito, tem mais ai do que uma simples toalha.
Dentro do nosso “Pen Drive Inconsciente” muitas informações são armazenadas ao longo da vida, de coisas que o consciente julga não serem tão relevantes, ou serem tão relevantes que geram dor e sofrimento. Então elas entram no inconsciente e são arquivadas em pastas seguras.
Isso seria incrível, se não fosse o fato do inconsciente continuar abrindo essas pastas toda vez que algo for gatilho para determinada memória. Então, sem saber conscientemente, brigamos pela toalha, porque na infância tomamos uma surra que não merecíamos ou porque o ex que fazia a mesma coisa um dia deixou a toalha molhada na cama e nunca mais voltou.
A culpa que carreguei por você
Pessoas tem muitas memórias de infância que as incomodam muito. Talvez nunca foram abusadas fisicamente, mas psicologicamente foram durante anos e por várias pessoas. Lembram de coisas que passaram que só com a lembrança ficam nervosas. Mas lembram, embora esteja lá na pasta segura do Pen, elas lembram sim.
Uma coisa que lembro da minha infância por exemplo e me fez muito mal, foi levar milhares de culpas por coisas que não havia feito. Cheguei a levar culpa por furar a tela de uma televisão 14 polegadas quando eu tinha menos de seis anos. Não tinha nem força física para furar uma tela com um cristal, mas levei essa culpa quase que minha vida inteira.
E eu levava todas essas memórias como “coisas de infância” e “besteiras”, mas fui descobrindo que não era bem assim dentro de mim. Mas admitir isso e reviver as dores dói muito. As pessoas tendem a minimizar esses sentimentos para que os outros não os humilhem, que não digam que essas são coisas pequenas e que o problemático é você que carrega isso.
Mas, é verdade. São coisas pequenas, que ficaram sim dentro de nós. E daí? Precisamos fazer uma escolha na vida, se queremos nos resolver e ser felizes ou se vamos seguir com o teatro que fomos aprendendo a encenar com os anos.
Admitimos prontamente
Eu nunca havia pensado ou sequer ouvido falar nessa questão de ser honesto consigo mesmo, até o dia em que falei com um dos maiores coaches do mundo em um chat online há uns bons anos atrás. Consegui com muito custo, esperando muito na fila da transmissão online, para fazer uma pergunta para ele e sua mulher, que estava junto.
Lembro que era dia dos namorados, por isso o casal, e minha pergunta tinha muito a ver. “O que fazer quando estamos em um relacionamento mas o parceiro parece não estar na mesma ideia e sintonia, querendo coisas completamente diferentes para a vida?
Em meio a uma explicação longa dele, a mulher do coach disse poucas palavras, mas algumas delas foram “Aline, seja honesta com você mesma”. E de toda longa explicação, só aquela frase pareceu algo para ser pensado por dias e dias.
Se eu já sabia aquilo, não parece simples então decidir o que fazer? Naquele momento ficou tão claro, que fiquei abismada de como não tinha tomado alguma atitude antes. E a verdade é que ainda demorei para agir. Ainda contei várias mentiras para mim, aquelas do tipo “amar é esperar o outro despertar, cada um tem um tempo, um dia o outro mudará por minha causa.”
Quando se vive pelo menos trinta anos de vida bem vividos, sabemos que essas afirmações são mentiras que ouvimos para deixarmos o tempo passar e ver se as coisas se “ajeitam” por si só. Mas hoje em dia, percebemos o tamanho do erro dessas ações refletido em gerações de mulheres, homossexuais, negros e tantos outros exaustos de deixarem que o “tempo cure”
Dói ser sincero, mas dói muito mais mentir pra si mesmo. Fere nossos próprios valores, são dores quase irreparáveis, destrói a confiança em si mesmo, no futuro e na vida. E a parte pior é que acaba com qualquer possibilidade de consertar, perdoar, entender e superar essas dores que carregamos.
“Onde existe luz, não pode haver escuridão” – disse Paramahansa Yogananda. E a verdade é luz. E ilumina até além do Oeste da nossa alma. Se busco a verdade, não há mais nada escondido e assim consigo enxergar além de mim, meus defeitos e dores. A falta de verdade destrói o propósito de evolução dentro de nós.
Case Study
Vamos jogar o jogo da análise de casos para entender melhor como a verdade pode ou não funcionar para nós mesmos.
Conheço uma história de um casal o qual a mulher queria que o marido ajudasse ela nos afazeres da casa. Pedia para que o marido lavasse a louça a noite, e ele respondia coisas do tipo “Mas eu estou cansado demais” ou Mais tarde eu lavo” e nunca lavava. A mulher então, brigava com ele todos os dias e o relacionamento deles acabou.
Porque foi destruído o relacionamento deles? Foi porque ele dizia que faria, mas nunca fez ou porque ela acreditava que ele faria já que a amava, e ele nunca quis fazer? Será que teriam salvado a relação se ele tivesse sentado com a mulher e dito – Eu não vou lavar a louça nem hoje nem amanhã, essa é uma coisa que eu não sinto vontade e não quero fazer, já trabalho fora o dia inteiro também, como podemos resolver isso querida? Vamos negociar outra tarefa ou contratar uma empregada pois não acho que você tenha que fazer tudo sozinha, mas eu não vou fazer, meu amor.
Ou se a mulher tivesse olhado no espelho e aceitado que aquele não era o parceiro que ela buscava já que acreditava em igualdade das tarefas e ele não. Se tivesse admitido a si mesma que havia se enganado na escolha…
Isso também resolveria, mas é a falta de verdade dos dois no espelho que destruiu tudo. Ninguém é mais ou menos culpado.
Outro caso bom. Uma mulher está infeliz com sua aparência física e está 10 kg acima do peso e fica muito mal toda vez que encara o espelho. Ela faz uma dieta de cinco dias por semana comendo moderadamente mas nos dois dias do fim de semana ela perde o controle total e fala a frase “Ah, é só agora, eu mereço”.
Como ela perderá o peso que a incomoda? É fazendo a dieta? Ou é constatando que: me sinto infeliz com a minha aparência, não estou sendo séria com minha dieta e uso de desculpa um merecimento que na verdade me sabota. Preciso mudar ou vou continuar nessa infelicidade comigo mesma e acabar descontando na comida cada vez mais.
A verdade te libertará
Conta a Bíblia que Jesus havia avisado. “Anda com a verdade e ela te libertará.” E ele não falava da verdade dos outros, ele falava da nossa verdade interior. Aquela que temos vergonha de aceitar, mas quando aceitamos nos libertamos e transformamos nossas histórias e nossas vidas para sempre.
A vulnerabilidade é para os fortes, pois estar exposto é ruim para a ferida e para a alma. Mas é só pela dor do momento, a longo prazo a vulnerabilidade nos trás força, faz calejar e criar casca para que a gente se firme.
Para termos firmeza na vida, é preciso que a base seja essa verdade, essa lealdade interior. Para caso nossa verdade seja exposta contra nós por alguma situação ou alguém a gente não se desestabilize.
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