Arte é algo que faz parte do ser humano, está na televisão, no jornal, na revista, nos quadros, no rádio, nas ruas, na vida.
Ela atravessou os tempos, as guerras, as epidemias, os incêndios e enchentes. Mesmo que muito tenha sido danificado, muito também perdurou e nos contou sobre nossa própria história.
Através da arte, é possível ter mais conhecimento sobre o passado, pois nela se percebe a sociedade através do tempo.
Bob Dylan disse uma vez " Um poema é uma pessoa nua, e alguns dizem que sou poeta."
Pode-se interpretar tal afirmação de maneira muito simples. Quando o artista cria, ele externa seu próprio mundo, suas dores, alegrias e o reflexo do ambiente em que vive. Despe-se de si mesmo. Mas qual o impacto real da arte tanto no ser humano quanto no desenvolvimento social?
De acordo com o Wikipedia: arte é a atividade humana ligada às manifestações de ordem estética ou comunicativa, realizada por meio de uma grande variedade de linguagens, tais como: arquitetura, desenho, escultura, pintura, escrita, música, dança, teatro e cinema, em suas variadas combinações. O processo criativo se dá a partir da percepção com o intuito de expressar emoções e ideias, objetivando um significado único e diferente para cada obra.
No cotidiano social, porém, a arte demonstra ser um agente transformador. Muito mais que expressão do ser humano, ela é um meio para que a consciência possa expandir, trazendo amplitude em referências e ideias, que atuam no indivíduo.
LINGUAGENS DA ARTE
No início da humanidade, o homem não falava e não escrevia. Mas ele vivia, e por isso sentia um impulso em comunicar ou registrar, o que se passava com ele. Assim começa a história do que entendemos como arte hoje em dia.
Através de desenhos precários feitos na maioria em paredes de cavernas ou pedras, as formas começam a auxiliar o humano da época a armazenar informações fora de seu cérebro. Esta seria considerada a arte pré-histórica. O desenho mais antigo encontrado até hoje foi feito pelo Homo Erectus, em uma pequena concha e tem estimativa de cerca 73.000 anos. Foi encontrado na África do Sul na caverna Blombos e é considerado que os riscos foram feitos com dente de tubarão.
Os arqueólogos responsáveis fizeram pesquisas e testes buscando a maior precisão dos dados possível, e embora arrisquem afirmar que este seja o pedaço de arte mais antigo até hoje encontrado, a real intenção daquele Homo Erectus jamais será descoberta.
Mas esse era só o início do encontro do ser humano com a arte. Com o tempo os desenhos seriam melhores, descobririam música, dança, escrita, dramaturgia, e nunca mais cessariam de buscar novas formas de se expressar e comunicar. Houve períodos em que a arte servia a política e a religião, sendo usada como propaganda até por Luís XIV da França e Napoleão. O poder do catolicismo e da monarquia era absoluto e os artistas de qualidade da época eram os encarregados de agradar tais poderes.
Foi uma prática marcante e duradoura, mas sofreu uma grande transformação com uma nova perspectiva do ser humano, dele como o centro do mundo, seus sentimentos e anseios se tornaram mais retratáveis e importantes para os artistas. As ideias se expandiam e já não fazia sentido minimizar a arte como relatos da realeza e do poder, a vida era descoberta como mais que isso. O ser humano descobria a si próprio como indivíduo.
Alguns artistas mudaram a história com seus trabalhos, retratando momentos importantes ou mesmo desenvolvendo novas técnicas.
Essas são algumas das obras de arte mais conhecidas e valiosas do mundo. Você conhece alguma delas?
Figura 1- Mona Lisa de Leonardo Da Vinci, Figura 2 - Noite Estrelada de Van Gogh, Figura 3 - O Grito de Edvard Munch, Figura 4 - A Persistência da Memória de Salvador Dali, Figura 5 - A Última Ceia de Leonardo Da Vinci, Figura 6 - A Garota do Brinco de Pérola de Johannes Vermeer, Figura 7 - As Meninas de Diego Velazquez, Figura 8 - Guernica de Pablo Picasso, Figura 9 - O Nascimento de Vênus de Sandro Botticelli, Figura 9 - Abaporu de Tarsila do Amaral.
ARTE COMO AGENTE SOCIAL
Fazendo uma triagem em projetos sociais, ONGs, e todo tipo de apoio a comunidades, um ponto em comum a todos é o uso da arte como inclusão social e conscientização.
A lista de projetos é infinita e praticamente impossível de ser mapeada, mas alguns projetos chamam atenção e merecem destaque pelo seu valor e transformação social.
Cabaret: Arte contra o Preconceito: Amar não é errado – Instituto Pombas Urbanas Com dança, artes circenses e teatro, o grupo Cabaret levanta a pauta sobre heteronomatividade. Durante os 25 minutos da apresentação, os participantes se expressam pela arte usando diferentes linguagens. O objetivo é trazer mais consciência em relação a diversidade, tolerância e respeito.
Dancetude – PROCEDU – Até quando vamos precisar resistir para existir
Projeto com foco na questão do preconceito racial, formado por 12 estudantes de uma escola estadual em São Paulo, apresentam danças e ações cênicas. Para os participantes, falar sobre racismo que é uma questão que pode levar a morte, é sempre difícil. Resistir para existir está ligado a expressão de que ninguém quer perder a vida por causa da cor de sua pele.
Encontro na Margem Literária – Associação Jovens do Brasil
A literatura, embora estivesse presente para os jovens da Escola Estadual Francisco Pereira de Souza Filho, não era algo em destaque. Mas os estudantes começaram a organizar encontros públicos com literatura, música, troca de livros e outras atividades. Entre os assuntos abordados, estão violência contra a mulher ou mesmo a reforma do ensino médio. A ideia é abordar temas com certa fraqueza dentro do cotidiano.
VIDAS QUE A ARTE TRANSFORMOU
Com tantas possibilidades de usar a arte a favor do desenvolvimento e qualidade de vida, temos no cotidiano exemplos vivos de outra maneira relevante da arte, como agente transformador do homem.
Em São Paulo, que é uma cidade referência mundial na arte urbana, temos exemplos reais a cada esquina desse fenômeno. A galeria A7MA, localizada no bairro da Vila Madalena, é um foco muito importante para a arte local. É uma galeria de arte fundada por artistas que começaram jovens, fazendo intervenções em vias públicas, mas que hoje fazem obras de arte de alto valor de mercado.
A galeria se localiza próxima ao famoso Beco do Batman, que é tomado de cores e estilos do começo ao fim. Os artistas que deixaram suas obras ali a céu aberto, são frutos do poder da arte em transformar a vida das pessoas.
Foram entrevistados alguns dos artistas representados pela galeria, para trazer histórias reais de vidas que a arte transformou.
Marcos Vinícius – artista Enivo
Marcos nasceu no Grajaú, município mais afastado da capital de São Paulo. Região de baixa renda que concentra uma parte muito vulnerável da população da cidade. Cresceu brincando nas ruas e logo entendeu como tudo funcionava. Começou se expressar no grafite, atividade ilegal, mas que é praticada por muitos jovens por geraçôes. Tinha 12 anos e ali nascia seu relacionamento com a arte.
Enivo, como é conhecido, conta que a arte abriu novas possibilidades em sua vida. Foi ela quem tomou seu foco, desviando sua atenção da marginalidade das ruas. Conseguiu muito apoio de pessoas que acreditavam em sua arte. Ensinou por 10 anos e formou novos artistas também. Sua arte crescia, mas devagar, as galerias ainda tinham alguma restrição na vertente da arte urbana.
Foi quando o coletivo que morava, onde moravam alguns artistas, foi vendido para que um novo condomínio fosse erguido. Foi uma grande transformação e dessa situação, criou novas alianças que pensavam como ele.
Assim, sete amigos se uniram com o propósito de criar uma galeria que não tivesse restrição para a arte urbana. A7MA galeria começava e era promessa de transformação. E foi. Ele e outros artistas passaram a ser representados pela galeria, e com o tempo foi construída grande autoridade e respeito. Em 2021 a galeria completa “9 anos de muita luta, mas muito sucesso também” – comenta o artista.
Nessa jornada, também foram feitas muitas viagens pelo mundo através da arte. Europa, Estados Unidos e América do Sul tem alguma marca do artista nas galerias e nas ruas também. A arte transformou a vida de um menino que tinha tudo para ser nada, e hoje ele tem alto valor na sociedade.
Karen Fidelis – artista Kueio
Karen era uma menina diferente desde criança, costumava ficar no seu mundo por que não se sentia aceita no mundo dos outros. Gostava de andar com meninos porque se atraía mais por suas brincadeiras. Gostava muito de desenhar e descobriu o grafite com os amigos.
Ao mesmo tempo que descobria seu próprio talento, também descobria que não gostava de parecer ou agir como mulher. Não se sentia uma mulher e aquilo a incomodava. Não sentia atração por mulheres, mas também não queria ser uma.
Seu pai era rígido e queria um futuro tradicional para a filha. “Fez a maior cara de decepção quando descobriu que eu tinha passado na faculdade de Artes”- lembra Karen. Queria profissões tradicionais como medicina ou direito para a filha, mas ela tinha outros planos.
Morava em Minas Gerais e aquele era seu passaporte para São Paulo, a cidade das possibilidades infinitas, dali para frente sua vida nunca mais seria a mesma.
Foi se descobrindo na cidade grande, descobrindo estilos e tribos. Conheceu muitos artistas do grafite local e sua arte começou a ser falada. Kueia fazia desenhos incríveis e tinha uma personagem “coelha” especial.
Mas sua confusão de gênero ainda a deixava desconfortável. Foi quando descobriu o termo “transgênero”. Esse termo contava que assim como ela, outras pessoas também não se identificavam com o tipo de sexo atribuído ao nascer.
Passou a usar sua personagem que até então era feminina, como um personagem masculino, o “Kueio” e assim expressava com sua arte suas transformações internas. Karen um dia, viu em uma novela do horário nobre, o caso de uma menina trans ser abordado, e descobriu que era possível fazer uma transição para se parecer mais com o sexo que se identificava
E ela fez. Em 2021 Karen completa 1 ano de transição, faz tratamento hormonal e participa do programa do governo para a questão.
“ Se não fosse a arte, que acabou me ensinando sobre mim mesma, eu jamais teria tido coragem de ir contra tudo e todos para estar a favor de mim mesma”. Karen que no mundo artístico é agora “Kueio” teve contribuição da arte para uma questão muito importante, sobre auto aceitação e coragem.
Diego Aliados – artista Aliados
No Grajaú existem mais de dez projetos relacionados a arte, e alguns deles já existem a mais de dez anos. Diego Aliados é mais um grande artista que surgiu do apoio desses projetos. “Eu sou do Grajaú, mas tamo ai em todo lugar da cidade” – brinca o artista.
E ele fala a verdade, já que pouco fica pelo bairro. Diego gosta mesmo é de pegar sua câmera fotográfica e sair pela cidade em busca de cliques. Sempre se esforçando para entrar no mundo da arte, investe tudo que pode em equipamento, e as vezes recebe presentes de amigos apoiadores.
Até para ele, que relativamente é considerado alguém habituado as ruas, as coisas não são tão fáceis. “Quando eu saio para fotografar, coloco a câmera naquelas sacolas de pano de supermercado, é como ser invisível e visível na cidade ao mesmo tempo. Tento sempre me manter igual, para não chamar atenção” –
Aliados embora seja simples, tem grandes admiradores como o fotografo Chico Audi, que se refere ao artista como um amigo querido. Ele também é um artista representado pela galeria A7MA e fez sua primeira exposição lá.
Mas ele gosta mesmo é de andar por aí, de encontrar alguém saindo do metrô, um bueiro quebrado ou crianças brincando. Situações que tornam tudo mais humano para ele.
“Desenvolvi o conceito do cachorro, porque somos vistos como vira latas pela sociedade. Somos negados, as vezes estamos lá sarnentos e tristes, mas sempre tem alguém que nos adota, que acredita e nos dá carinho”. - Diego Aliados
Confira mais um episódio do nosso Free Podcast com entrevista exclusiva do artista Enivo, contando sobre sua carreira e a relação da arte urbana com a sociedade
ARTE TERAPIA E MEDICINA
Leonardo Da Vinci fez o Homem Vitruviano, por volta de 1490. A filosofia por trás da obra é de que o homem passa a se entender como o centro de seu próprio mundo. A qualidade de vida humana é essencial para o desenvolvimento da humanidade como um todo.
No desenvolvimento do homem em sociedade, da medicina e da própria arte, muitos estudos foram feitos ao longo dos anos. A arte terapia se comprovou com o tempo como uma aliada em diversos tratamentos. Na psicologia por exemplo, a arte é usada em várias linhas de abordagem, mas foi Carl Gustav Jung o primeiro psicoterapeuta a usar a arte terapia em seus pacientes. Jung aplicava a arte como ponte entre o inconsciente do paciente e o próprio paciente. Em sua abordagem, defendia que a arte exteriorizava símbolos que funcionavam como mecanismos de defesa que auxiliavam o paciente a lidar com as ânsias de seu ser. Outra forma interessante de usar a arte como tratamento, é em casas de repouso. A palestrante do Ted Talk Anne Basting, artista e Phd, relata que pacientes com Alzheimer tem uma qualidade de vida maior quando expostos a arte. Cantar, dançar e pintar são atividades que fazem o indivíduo rebuscar dentro do cérebro memórias e referências armazenadas. Mas essa questão não é simplesmente para lembrar, mas também para restabelecer sentimentos positivos que a arte os faz reviver. Assim, essa prática possibilita não só o exercício cerebral, mas também qualidade de vida para o paciente.
REABILITAÇÃO
A arte não se limita ao campo psicológico e vai além das expectativas com suas tantas possibilidades. Ela é aplicada também em pacientes em reabilitação. A reabilitação pode ser de diagnósticos variados como má formação do corpo, Parkinson, derrames, paralisias, entre outros diversos quadros.
Na Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, a arte terapia é programação fixa. Além do programa ter mais de vinte anos no quadro de atividades dos pacientes em tratamento, os próprios pacientes percebem a importância da arte terapia em seu desenvolvimento e do bem-estar que a atividade traz para o processo de reabilitação.
Veja o relato de Maria Clara Larrosa, que participa do programa de reabilitação do Hospital Sarah, na Asa Norte em Brasília. Um acidente que mudou sua vida de diversas maneiras levando ao encontro de Clara com os Mosaicos.
ARTE NO BRASIL
No Brasil, a arte não tem um lugar de destaque na educação como em países mais desenvolvidos. Em países como os Estados Unidos, o estudante mesmo de escola pública, tem na grade curricular aula de música, teatro, pintura e literatura.
Quando analisada a dinâmica do país em relação a arte, é possível perceber pouco investimento e reconhecimento da sua importância no desenvolvimento do cidadão. Pode-se atribuir o fato a economia, que ainda procura estabilizar serviços básicos como saneamento, saúde e educação.
Devido as questões sócio econômicas do Brasil, a cultura não é prioridade para o brasileiro, que é predominantemente de classe baixa e a cultura é considerada pela maioria um item supérfluo.
Carl Gustav Jung apontava em seus estudos e ideias, que um paciente psicótico poderia ser curado através da criatividade. Em resumo, acreditava que se o que destruía a saúde mental do paciente, poderia ser expresso pela escrita, ou pela pintura, então essa era a cura, como se a arte fosse a ferramenta que facilitasse a exteriorização do Eu.
Ainda há muito a ser considerado em relação a arte, mas sua relevância é incontestável. A arte é sempre indicador de qualidade de vida e bem-estar. Não é preciso ter algum quadro clínico ou dom especial para trazer arte e criatividade para o dia a dia.
A arte pode parecer um artigo de luxo para muitos, mas na verdade ela vem de dentro do ser humano e todos tem a liberdade e capacidade de criar algo. Não é preciso ser de nenhuma classe social específica, nem de ter um grande intelecto ou mesmo estudos. Arte é escrever sobre o que se sente, pintar o que se vê, ouvir o que toca o coração. O importante é trazer a arte para a própria vida, porque se ela é capaz de auxiliar na qualidade de vida de pacientes diagnosticados com Alzheimer ou expandir a mente de alguém que perdeu sua mobilidade, imagine o que ela pode fazer por uma pessoa com a saúde plena.
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