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Voo Delta 104


Quando alguém decide entrar em um avião, cruzar um continente e viver em um lugar completamente desconhecido, é porque a urgência do novo ficou mais forte do que a paz da zona de conforto.

Pelo menos foi assim que eu entrei no voo Delta 104 e parti para o outro lado do continente, para uma vida que eu não tinha (e ainda não tenho) ideia de como seria. A vida não estava nada mal, sem grandes sacrifícios e com algumas doses suportáveis de drama familiar. Uma vida da qual não tenho a audácia de reclamar, por saber dos meus privilégios perante metade do mundo. Saber das próprias bênçãos é essencial, mas não quer dizer que não podemos desejar outras experiências.


No meu caso, já tenho grande currículo em partir para terras desconhecidas, em busca de algo que eu ainda não encontrei. Não sei o que, ou se é quem, só sei que não encontrei. E talvez eu termine essa vida ainda nessa busca, mas não me importa porque meu objetivo não é exatamente encontrar, é manter a vontade de buscar até o fim.


Acho que não preciso dizer que nos últimos anos, o Brasil foi um lugar extremamente difícil de viver, mas digo. Os conflitos políticos apagaram o melhor do povo, sendo a alegria e a leveza em encarar os desafios de ser o maior país da América do Sul. A convivência com nossas próprias famílias foi ameaçada e ficou quase impraticável compartilhar nossas ideias e opiniões.


Mas claro, esse não foi o meu motivo. O verdadeiro e único motivo de pegar aquele avião, foi o medo do conformismo. Quando você percebe pensamentos que te convencem de que você já chegou em algum lugar e não precisa se esforçar mais, pode apostar que é o flow da vida te mostrando que algo está errado. Porque a vida desde as nano micropartículas até o Sol, é constante evolução. Então como poderíamos simplesmente aceitar uma ideia tão contrária a isso? Tão contrária ao instinto de sobrevivência? De maneira simples, eu sou apenas uma plantinha em busca de luz para crescer. Se essa luz faltar, a vida acaba. Simples assim.


E as cegas eu entrei no 104. Confiante, com airtags nas duas malas despachadas, e sinceras mil expectativas para o futuro, tinha tudo planejado. As airtags, graças a Deus fizeram uma boa viagem e chegamos juntinhas no aeroporto de Los Angeles. Já as expectativas, foram se transformando, e muitas foram ficando pelo caminho. Nunca podemos esquecer que controlamos apenas 50% do que acontece em nossas vidas, e os outros 50%, estão completamente fora de controle. Mas jamais vou reclamar dessa divisão de tarefas, porque é isso que faz a vida ser interessante.


Tenho fascínio pelo cérebro humano, acho que ele é a coisa mais incrível que existe no Universo, e fica aqui dentro das nossas cabeças. Minha curiosidade jornalística me trouxe muitas informações importantes sobre ele, como a Neuroplasticidade, que é a capacidade do cérebro de se reorganizar e se adaptar a novas conexões (hábitos), inclusive transformando até seu aspecto físico. E essa capacidade só é acionada com os 50% que não podemos controlar, e ela está ligada com nosso instinto de sobrevivência. A tal da adaptação de Darwin, que aliás estaria muito feliz com as reafirmações de seus estudos.


Queria dizer que tenho toda essa adaptação dentro de mim, mas não posso. Mesmo querendo, nem toda mudança é bem-vinda. Tem coisas que simplesmente não queremos mudar. E você pode ir para onde quer que seja, desse planeta e quem sabe de todo Universo, e vai precisar mudar as mesmas coisas dentro de você. Eu mudei de endereço, mas vim sabendo que não seria suficiente. Que as mudanças que eu mais preciso fazer estão dentro de mim.


Os primeiros dias após desembarcar do 104 foram perfeitos. Todas as coisas que havia pensado em fazer, fiz. Foto no letreiro, passeio em Venice, Pier de Santa Mônica, road trip até o Grand Canyon, Las Vegas e

tudo incrível do jeito que uma boa viajante como eu gosta. Mas e quando o turismo acaba, sobra o que? Sobra a vida real, o banco, o trabalho, o mecânico, o desespero do fim de tarde do Domingo. A responsabilidade de si fazer feliz em meio ao cotidiano.


Comecei a observar os estrangeiros que vivem aqui, já que são tantos e estão por toda parte. Existem todos os tipos, os super felizes, os infelizes, os pessimistas, os sacanas, os inteligentes, os que só porque sofreram querem que os outros sofram também, os herdeiros e os perdidos. O que todos eles têm em comum, é o desejo de que essa cidade os dê aquilo que eles procuram a vida inteira, mas que nem mesmo eles sabem o que é.


Eu também não sei exatamente, estou na mesma busca e chegar até aqui foi uma viagem muito maior do que a do voo 104. Meu pretexto são meus estudos, e eles são tudo que tenho. Mas, nas minhas palavras: Deus não dá o ticket se você não estiver pronto para viajar. Estamos prontos. Estamos exatamente onde cada um de nós precisa estar. Estamos todos em uma viagem, de encontro ao nosso destino. Boa viagem.





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