Essa leitura é dedicada a dois tipos de espectadores. Aquelas que editam a vida de maneira favorável para se proteger, e aquelas que precisam ter certeza que a grama do vizinho realmente não é tão mais verde quanto a dela.
Me deparei com notícias sobre o centro da cidade de São Paulo, que dizia estar mais perigoso do que nunca e absolutamente nada está sendo feito para estabelecer qualquer segurança. São Paulo é meu berço, e por isso é a cidade que mais amo em todo o planeta terra, mesmo não o conhecendo completamente. Mesmo assim, tenho alma exploradora e desbravei terras distantes, como nesse momento que me encontro na América do Norte, precisamente em Los Angeles.
Mas não a Los Angeles dos filmes de Hollywood, essa só existe no topo dos Hills, de onde se vê ao longe, mas nada muito nítido. O Dark Side de Los Angeles, me deixa em dúvida se São Paulo não seria apenas uma prima distante, que vive com menos, mas vive muito mais.
Dirigindo pela Sunset Boulevard ouvindo Red Hot, abro os vidros para a fumaça fluir, e aquele cheiro de homeless, urina e cannabis contagia o ambiente. A tribo dos “Homeless” são as verdadeiras estrelas de Hollywood, e de incontáveis outros pontos da cidade. Essa tribo, vive nas ruas e na maioria dos casos tem sérias doenças mentais. E como isso aqui é “América”, a maioria tem acesso a armas. Para compensar, muitos deles têm grande estilo e usam casacos e óculos incríveis, um toque bem especial da cultura local. (Contém ironia).
O metro é o point dessa tribo, e em apenas um passeio lá por baixo, dá um orgulho de São Paulo, dá até saudades... E muitos vão dizer que isso acontece porque Los Angeles é uma cidade para quem faz muitos dígitos por mês, e é verdade. Porque se você não fizer, o governo não fará absolutamente nada por você. Sem transporte público apropriado, sem segurança pública, sem saúde pública, mas incontáveis premières em um único mês.
E nessa mesma cidade, vi os carros mais incríveis da minha vida. Aqui nasceu uma paixão por maquinas que são impossíveis de serem ignoradas. Maquinas que saem de garagens incríveis. E a poucos passos dessas garagens, a cena clássica de alguém empurrando um carrinho de supermercado com todos os seus pertences começa a rodar, mas ninguém está filmando.
Los Angeles tem essa energia de terra prometida. Pessoas do mundo inteiro fazem da cidade um polo cultural. Músicos, atrizes, diretores e incontáveis sonhadores limpam banheiros ou servem drinks o dia inteiro em pé, na esperança de que sejam descobertos por algum caça talentos que consiga perceber seus potenciais. Verdadeiros guerreiros lutando a batalha da própria vida, a qual ninguém mais pode lutar por eles.
A cidade também serve como esconderijo para muitos que não tem coragem de ser quem são perto da família e do círculo social da terra natal. Aquele amigo que você conhece tem trinta anos e veio morar aqui, pode ter certeza que será um estranho para você. Talvez até evite te abrir as portas de sua vida Hollywoodiana, ou porque tem vergonha do que se tornou, ou porque não quer facilitar para você, aqueles tipos inseguros que sofreram e querem mais é que os outros também sofram.
Em cada casa de estrangeiros, ou mora uma pessoa solitária, ou cinco pessoas desconhecidas para dividir o aluguel. Uma vida cara, em tantos sentidos. E todos se adaptam, porque essa é a natureza humana, só depende do que cada um está buscando para si. Muitos casamentos Green Card acontecem, e assim que chegam os documentos novos, eles acabam, com as mais variadas justificativas. E então parece que com os documentos certos, talvez a vida mude, mas não muda. Continuam limpando casas ou servindo alguém em algum bar da Sunset Boulevard.
Eu sou espectadora, porque vim em missão com data de volta, e não quero perder meu voo por nada. Mas como peripatética, que aprende enquanto viaja por esse universo, não consigo deixar de questionar: - vale a pena? Tomara, eu torço por todos vocês guerreiros estrangeiros.
E aprendo muito com tudo e todos por aqui. Já morei em vários países, mas as vezes me esqueço do porque sempre voltei para casa. Mas aqui, em uma outra fase da minha vida, me fez lembrar e reforçar minha ideia do quanto quero estar presente enquanto meus pais estão vivos. Tenho uma família simples, cheia de alegrias e cheia de problemas, mas são eles que realmente importam nessa vida, e eles são incríveis e nunca me deram nenhum motivo para não voltar. Acho que fica mais fácil fugir quando a própria família nos faz mal, fico feliz que não seja o meu caso, mas sei que existem muitos casos assim e esses têm meu total apoio. Voem para longe.
Muitos brasileiros relatam que recebem mensagens de amigos do Brasil que parecem achar que tudo aqui é melhor do que lá. Mas que quando eles comentam sobre as diferenças e dificuldades, a pessoa parece gostar e se sentir satisfeita, como se tivesse recebido a comprovação de que a grama por aqui não é mais verde que a de lá. Então esse texto é em sua homenagem, já que você precisa que os outros estejam sofrendo para se sentir melhor com sua própria miséria. Sim, as pessoas só mostram o melhor dos dias delas, escondem as gigantescas piscinas de merda que tem que atravessar todos os dias. E não, aqui não é melhor do que o Brasil, ou qualquer outro lugar. Mas o que você talvez nunca vá entender, é que não existe nenhum lugar melhor que o outro, ou mesmo vida melhor que a outra. O que existe mesmo, são pessoas que decidem fazer o melhor com o que elas têm, do lado de dentro e ao redor.
Quando você encara o mundo por um tempo, ele também te encara de volta. Não só te faz refletir, como te reflete. Na rotina que você cria, nas pessoas que se aproximam, nas histórias que te conta, e nas coisas que você se identifica. É maravilhoso desbravar o planeta, cruzar oceanos e vivenciar experiências que só acontecem em determinados lugares. Viajar para mim é ter o privilégio de conhecer a fundo a obra prima de Deus, o perfeito planeta Terra.
Em todos os momentos reflexivos dos meus dias que são uma alternância entre dias de lutas e dias de glória, termino minhas reflexões muito agradecida, mesmo que cansada ou até triste. Infinitamente agradecida, porque sinto que meus valores me fortalecem. E também porque fui abençoada com a oportunidade de voar por muitos céus, mas sempre poder voltar feliz para o meu verdadeiro ninho. Não existe liberdade maior.
E enquanto minha volta não chega, eu vivo tudo que há para viver...
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